Inovação dentro e fora de campo: o clube que une futebol, ética e sustentabilidade
Por Eduardo Sergio, Heloísa Ferraz, Henrique Saito, João Cunha e Juliana de Caprio
Você talvez não saiba, mas estrelas do mundo esportivo como Macris Carneiro e Carolana (vôlei), Alex Morgan (futebol), Novak Djokovic (tênis), Lewis Hamilton (automobilismo), Chris Paul e Kyrie Irving (basquete) têm algo em comum além do talento: o veganismo. O movimento, que cresce por razões éticas, de saúde e sustentabilidade, já conta com 1,1% da população mundial, segundo a estimativa da Sociedade Vegetariana Brasileira em 2024 — e agora chega com força ao futebol brasileiro por meio do Clube Laguna SAF, o primeiro time 100% vegano do país e pioneiro nas Américas.
A proposta não é inédita no cenário mundial, mas ainda é rara. O Forest Green Rovers, da Inglaterra, é considerado o primeiro clube vegano do mundo. No futebol latino-americano, o pioneirismo é potiguar.
Fundado em 2022, em Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte, o clube é o terceiro no país a surgir já como Sociedade Anônima do Futebol (SAF) — e o primeiro do estado. Mais do que um time, nasceu de um projeto social idealizado no interior de São Paulo e cresceu com base em valores como ética, inclusão e consciência ambiental. Hoje, é um projeto de futebol profissional que une esporte, transformação social e gestão baseada nos pilares ESG — Ambiental, Social e de Governança.
Jovem, mas com uma ideia revolucionária
O Laguna não quer apenas vencer jogos. Quer transformar o modo como o futebol é feito. Com um elenco em formação, uma comissão técnica alinhada aos princípios do clube e uma gestão que aposta em impacto positivo, o clube pretende ser referência dentro e fora dos gramados.
No Clube, os alimentos são todos sem origem animal. A filosofia vegana faz parte da identidade institucional e anda de mãos dadas com metas de inclusão social, preservação ambiental e inovação no esporte. Em vez de seguir o modelo tradicional, o Laguna propõe algo maior: criar uma cultura esportiva ética e sustentável.
O caminho, claro, não foi simples. Por ser o primeiro clube vegano do país, enfrentou resistência e até preconceito. Mas, segundo Gustavo Nabinger – co-fundador e atual técnico do time: “isso só fortaleceu a convicção de que estão no caminho certo.”

Trajetória futebolística
Apesar do pouco tempo de existência, o Clube Laguna SAF já construiu uma trajetória promissora. Em seu primeiro campeonato estadual, em 2022, foi vice-campeão, ficando atrás apenas do Alecrim, que seria rebaixado no ano seguinte. Em 2023, não conseguiu o acesso, terminando abaixo do promovido Baraúnas. Mas o clube foi persistente. No ano seguinte, venceu a divisão e subiu para a elite do futebol potiguar.
Em 2025, sua estreia na primeira divisão terminou com uma semifinal contra o tradicional ABC, resultado que garantiu ao Laguna uma vaga na Série D do Campeonato Brasileiro em 2026.

O Veganismo e seu impacto no futebol
No elenco do Laguna, a dieta vegana não é obrigatória, mas muitos jogadores já aderiram. Alguns chegaram ao clube já acostumados com o estilo de vida; outros decidiram experimentar por curiosidade ou alinhamento com o projeto — e se surpreenderam.
O zagueiro João Vitor conta que, no começo, ficou receoso. Mas, após as primeiras semanas, sentiu-se com mais energia e disposição. “A comida é boa, variada e a gente sente diferença no corpo e no rendimento”, diz. Para ele, o ambiente também é um diferencial: “Não é só futebol. É um projeto de vida, respeito ao próximo e ao planeta. Isso faz toda a diferença em campo.”
Durante a entrevista, Nabinger citou o exemplo do atacante Gabriel Lima, que após passar por outros clubes do Brasil que tinham dieta carnívora predominante, retornou ao clube para retomar a dieta vegana e melhorar seu desempenho, após uma série de lesões e desgastes musculares.
A nutricionista Sheila Santos, especialista em alimentação esportiva, afirma que os efeitos são comprováveis: “A dieta vegana reduz os marcadores inflamatórios no corpo. Com isso, a recuperação pós-jogo e pós-treino é mais rápida, e o risco de lesão diminui.”

Futuro do clube e metas esportivas
Com planejamento e propósito bem definidos, o Laguna já tem metas para o futuro. A principal delas é conquistar espaço no cenário nacional e, até 2032, chegar à primeira divisão do futebol brasileiro.
O ponta Breninho resume a ambição do elenco para 2026: “A expectativa é a melhor possível. Temos um grupo competitivo, vamos em busca do acesso.” Mas, para o clube, vencer partidas nunca estará acima de seus valores: ética, sustentabilidade e responsabilidade social são indispensáveis dentro do clube
O clube já conquista torcedores
Mesmo com poucos anos de vida, o clube já tem torcida organizada. A Libertária, fundada em 2022, tem sede no Rio de Janeiro, mas seus membros fazem questão de apoiar o clube à distância. O fundador da torcida, Felipe Fernandes, vegano há 6 anos, explica como foi o primeiro contato com o clube: “O contato inicial se deu pelas redes sociais em 2022, logo após a pandemia do Covid-19. Tempos de reflexão e reconhecimento de que as coisas precisariam mudar para o bem do planeta da vida na terra.” Para eles, torcer pelo Laguna é mais do que acompanhar um time: é ser parte de uma causa.

Sustentabilidade e ações sociais
No estádio Nazarenão, onde o Laguna manda seus jogos, a experiência é diferente: tudo que é vendido nas arquibancadas é vegano. Hot dogs, hambúrgueres, pastéis, sendo tudo livre de ingredientes de origem animal. E isso não é só marketing: é coerência.
A origem do Laguna remonta a um projeto social iniciado entre 2011 e 2012, no interior de São Paulo. Na cidade de Paulínia, Rafael Schiavi, fundador e atual presidente do clube, e Gustavo Nabinger criaram uma iniciativa esportiva para jovens em situação de vulnerabilidade. “O campo onde aconteciam os treinos ficava à beira de uma lagoa daí o nome ‘Laguna’”, explica o técnico.
Mais de 150 crianças e adolescentes passaram pelo projeto, e os resultados foram expressivos: nenhum se envolveu com o crime, dezenas fizeram faculdade, e muitos hoje têm carreiras sólidas e possuem seus próprios empreendimentos. Foi dessa experiência transformadora que surgiu a ideia de um clube que unisse impacto social, profissionalismo e valores éticos.

Em 2021, o grupo fundou oficialmente o Clube Laguna SAF, com apoio da consultoria Deca. A escolha do Rio Grande do Norte foi estratégica: além do apelo turístico da região de Pipa, havia espaço para um projeto inovador no futebol local.
Desde então, o clube atua com base em princípios ESG e se compromete com cinco dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU: saúde e bem-estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, consumo responsável e ação contra a mudança climática. Essas metas se refletem em práticas concretas, como mutirões de limpeza de praia, oficinas de cidadania e o plano de criar escolinhas Sub-10 e Sub-12 em parceria com a prefeitura local.
Se o futebol é paixão nacional, o Laguna mostra que ele também pode ser agente de transformação. Vegano, sustentável, ético e competitivo: o clube potiguar quer jogar bonito dentro e fora de campo. Mais do que um clube de futebol, o Laguna é um projeto de impacto.
